sábado, 16 de junho de 2012

[HOL] O Holocausto na Vida Americana

Alguns irão datar o início do Holocausto em setembro de 1939, quando os alemães atacaram a Polônia; outros, quando da invasão da União Soviética em junho de 1941; outros ainda quando da Conferência de Wannsee em janeiro de 1942. Alguns irão associar o Holocausto a datas importantes do Terceiro Reich: por exemplo, a ascensão de Hitler ao poder em 1933, ou as Leis de Nuremberg em 1935. De fato, se você consultar algumas cronologias do Holocausto, elas frequentemente terão o nascimento de Adolf Hitler como o ponto de partida, e algumas têm até o nascimento de Jesus Cristo no topo da lista, na suposição de que o Holocausto foi o resultado do antisemitismo cristão. De todas as qualidades do livro O Holocausto na Vida Americana, de Peter Novick (Houghton Mifflin Co., 1999), uma tem que ser destacada. O livro fornece um antídoto estimulante para a literatura doentia e inutilmente sentimentalista do Holocausto. Detonando muitos mitos do Holocausto no processo, o livro também fornece o contexto no qual o Holocausto começou.




O Holocausto na Vida Americana, de Peter Novick, é um excelente trabalho, e deveria servir como fonte de consulta para discussão e pesquisa adicional nas próximas décadas. Novick, professor emérito de História na Universidade de Chicago, trabalha cronologicamente, dividindo seu livro em cinco seções e considerando a resposta americana durante os períodos da guerra, do pós-guerra, da “transição” (anos 1960 e 1970), do tempo atual e do futuro. “Este livro teve sua origem na curiosidade e no ceticismo”, ele nos informa no início, e estas ferramentas críticas permanecem a chave para sua pesquisa prodigiosa e análise cuidadosa ao longo do texto. Novick formula perguntas provocantes; cético, ele oferece respostas que desafiam o consenso majoritário.

As ações nazistas contra os judeus antes da guerra, das primeiras medidas discriminatórias na elaboração das leis de Nuremberg em 1935 e culminando com a Noite dos Cristais (Kristallnacht) em 1938, foram extensamente relatadas na imprensa americana e repetidamente denunciadas em todos os níveis da sociedade americana. Ninguém duvida que os judeus estavam na lista de vítimas reais e potenciais do Nazismo, mas era uma lista longa, e os judeus, em um certo sentido, não estavam no topo. Apesar das tentativas nazistas de manter segredo do que ocorria nos campos de concentração nos anos 1930, seus horrores eram conhecidos no Ocidente, e eram o principal símbolo da brutalidade nazista. Mas até o final de 1938, havia poucos judeus, pelo fato de serem judeus, entre aqueles presos, torturados e assassinados nos campos. As vítimas eram majoritariamente comunistas, socialistas, corporativistas e outros oponentes do regime de Hitler. E ainda decorreriam outros quatro anos antes que o destino especial que Hitler havia reservado para os judeus na Europa tornar-se conhecido no Ocidente.

O ponto deveria ser salientado: do início de 1933 até o final de 1942 – mais de três quartos dos doze anos do Reich de Mil Anos de Hitler, os judeus foram, é bastante razoável supor, vistos como uma das, mas de nenhuma forma as principais, vítimas do regime nazista. Esta era a percepção geral dos gentios americanos; era também a percepção de muitos judeus americanos. Na época em que notícias de extermínio em massa de judeus apareceram no decorrer da guerra, aqueles que haviam acompanhado os crimes dos nazistas por dez anos imediata e naturalmente as assimilaram na já existente narrativa.

Somente após as consequências da Kristallnacht é que um grande número de judeus foi acrescentado às populações dos campos, e mesmo então, para a maior parte brevemente, como parte de uma política alemã de pressionar os judeus a emigrar. Até este ponto, as mortes de judeus alemães eram uma fração minúscula daqueles que foram assassinados por bandos de forças ucranianas anti-soviéticas vinte anos antes. Apesar de os judeus americanos responderem com desalento profundo e horror ao antisemitismo nazista em relação aos gentios americanos, sua reação não foi separada de um certo fatalismo conformista: tais períodos haviam ocorrido em séculos anteriores; eles passariam; no ínterim, todos fariam o que poderiam fazer e aguardariam por dias melhores.

No Ocidente, o início da Guerra resultou em interesse ainda menor ao destino dos judeus. O começo da luta militar - e os relatos dramáticos das frentes de batalha – levou a perseguição judaica longe das primeiras páginas e da consciência pública. A Kristallnacht, onde dezenas de judeus foram mortos, foi relatada na primeira página do New York Times por mais de uma semana; quando as estatísticas de óbitos judaicos passaram dos milhares aos milhões, isso não foi divulgado novamente de maneira tão incisiva.

Do outono de 1939 ao outono de 1941, a atenção de todos estava voltada aos eventos militares: a guerra marítima, a queda da França, a Batalha da Inglaterra, a invasão alemã à URSS. Quando os americanos confrontaram o que parecia ser a iminente probabilidade de um domínio nazista invencível sobre todo continente europeu, não é de surpreender que, exceto por alguns judeus, pouca atenção foi dada ao que estava acontecendo com a população judaica na Europa sob o domínio nazista. Que a “guetotização” da judiaria polonesa e a deportação de judeus alemães e austríacos aos guetos poloneses trouxeram enorme sofrimento ninguém duvidava. Além disso, pouco era sabido com qualquer certeza e relatórios fragmentados chegando ao Ocidente eram frequentemente contraditórios. Assim, em dezembro de 1939, uma agência de imprensa estimou que ¼ de milhão de judeus haviam sido mortos; duas semanas depois, a mesma agência reportou que as perdas eram cerca de um décimo daquele número. (Estimativas discrepantes semelhantes aconteceram durante toda a guerra, sem dúvida conduzindo muitos a suspender julgamento sobre os fatos e suspeitar de exagero. Em março de 1943, o The Nation escreveu sobre sete mil judeus sendo massacrados a cada semana, enquanto o The New Republic usava a mesma estimativa como um fato diário.)

Ao longo de 1940, 1941 e 1942, relatórios de atrocidades contra os judeus começaram a acumular. Mas estes, como os números citados, eram frequentemente contraditórios. Na natureza da situação, não havia relatos em primeira mão de jornalistas ocidentais. Ao invés disso, eles vinham de uma porção de judeus que haviam escapado, de fontes secretas, de informantes anônimos alemães e, talvez a mais duvidosa de todas, do governo soviético. Se, como muitos suspeitavam, os soviéticos mentiam sobre o massacre na Floresta de Katyn, porque não preservar um ceticismo sadio quando eles falavam das atrocidades nazistas contra os judeus soviéticos? Assim, após a recaptura soviética de Kiev, o correspondente do New York Times, viajando junto com o Exército Vermelho, sublinhou que enquanto os oficiais soviéticos afirmavam que dezenas de milhares de judeus haviam sido mortos em Babi Yar, “nenhuma testemunha do fuzilamento... conversou com os correspondentes”; “é impossível para este correspondente julgar a verdade ou falsidade da estória contada a nós”; “há pouca evidência no desfiladeiro para provar ou rejeitar a estória.”

O relatório mais importante sobre o Holocausto chegou ao Ocidente de um comerciante alemão anônimo, e foi repassado em meados de 1942 por Gerhard Riegner, representante do Congresso Mundial Judaico na Suíça. Mas Riegner repassou o relatório “com certa reserva” em relação à sua veracidade. Apesar dos contornos principais da campanha de extermínio em massa relatados por Riegner serem todos verdadeiros, seu informante também afirmou ter “conhecimento pessoal” da transformação de corpos de judeus em sabonete - um símbolo terrível da atrocidade nazista hoje descartado como sendo sem fundamento por historiadores do Holocausto. No outono de 1943, mais de um ano após a informação de Riegner ser transmitida, um memorando interno do Departamento de Estado dos EUA concluiu que os relatórios eram “essencialmente corretos.” Mas era difícil seguir em frente com a observação acompanhante de que os relatórios de 1942 eram “às vezes confusos e contraditórios” e que eles “incorporavam estórias que eram reminiscências dos contos de terror da última guerra.”

Tais embelezamentos como a estória do sabonete resultaram numa atitude de descrença que era comum entre judeus e gentios – uma atitude compreensível. Quem, depois de tudo, queria pensar que tais coisas eram verdadeiras? Quem não saudaria uma oportunidade de acreditar que enquanto coisas terríveis estavam acontecendo, sua escala estava sendo exagerada; que muito do que estava sendo dito era propaganda de guerra que o leitor pudente deveria descontar? Um diplomata britânico, cético da estória soviética em Babi Yar, observou que “temos que nós mesmos descontar os rumores de atrocidades e horrores com diversos fins, e não tenho dúvidas que esta prática está sendo extensamente conduzida.” De fato, funcionários do Escritório de Informação da Guerra dos EUA e do Ministério da Informação britânico concluíram que, apesar dos fatos do Holocausto estarem aparentemente sendo confirmados, eles pareciam tão exagerados que as agências perderiam sua credibilidade ao disseminá-los.

É frequentemente dito que quando a estória completa do Holocausto em construção alcançou o Ocidente, começando em 1942, ela foi desacreditada porque a magnitude absoluta do plano nazista de extermínio em massa tornou-o literalmente incrível – além da compreensão. Mas falta de consciência era comum entre os melhores colocados e geralmente educados: somente no final da guerra a ignorância dissipou. William Casey, mais tarde diretor da Agência Central de Inteligência (CIA), era chefe da inteligência secreta no teatro europeu para o Escritório de Serviços Estratégicos, o predecessor da CIA.

A experiência mais devastadora da guerra para a maioria de nós foi a primeira visita a um campo de concentração... Sabíamos, de uma forma superficial, que os judeus estavam sendo perseguidos, que eles estavam sendo cercados... e que brutalidade e assassinato estavam acontecendo nestes campos. Mas poucos compreendiam a apavorante magnitude dela. Não era suficientemente real para se igualar à geral brutalidade e sofrimento que é a guerra.

Entretanto, ao longo deste livro, Novick contesta a visão de que os Estados Unidos deveriam ter feito mais durante a Segunda Guerra Mundial para ajudar os judeus, argumentando que tal “papo de culpa” tem simplesmente fornecido desculpas para convencer os americanos de que eles têm uma obrigação contínua de apoiar Israel. Ele argumenta que a questão do bombardeamento aliado das linhas ferroviárias que conduziam aos campos de concentração nazistas “pode ser descartada imediatamente”, pois “experiência incontestável” nos ensinou que “bombardear linhas ferroviárias nunca foi eficiente” e ele acrescenta que havia “possibilidades práticas pouco viáveis” para outras tentativas de resgate dos judeus.

Quanto à questão do porquê os Estados Unidos não facilitarem sua política de imigração restritiva do pré-guerra para permitir a entrada de mais judeus, ele escreve que a América “não estava ainda livre da Depressão, com o desemprego ainda alto” e que “o sentimento anti-imigração era muito forte no Congresso e entre o público em geral, de modo que levantar esta questão para debate parecia piorar ao invés de facilitar as condições; melhor deixar piorar sozinho.”

Novick argumenta, de forma convincente, que os judeus americanos “esqueceram” do Holocausto após a guerra porque a Alemanha era aliada dos EUA na Guerra Fria. O editor de Commentary clamou para a importância de encorajar os judeus a desenvolver uma “atitude realista ao invés de vingativa e recriminatória em relação à Alemanha, que era agora o pilar da civilização democrática ocidental.”

Em contraste, a fidelidade de Israel na Guerra Fria era menos clara. Os líderes da judiaria americana preocupavam-se que a liderança esquerdista, na maioria vinda da Europa Oriental, queria fazer parte da esfera de influência soviética. Apesar de Isral logo ter se alinhado aos EUA, muitos israelenses dentro e fora do governo mantinham forte sentimento pela União Soviética. Presumivelmente, os judeus na América que não eram esquerdistas preferiram manter Israel a uma certa distância.

Desde o início da Guerra Fria as organizações judaicas principais estavam ansiosas pela briga. Enfrentando o estereótipo dos judeus como comunistas ou simpatizantes dos comunistas, eles não pestanejaram em sacrificar irmãos judeus no altar do anti-comunismo. O Comitê Judeu Americano (AJC) e a Liga Anti-Difamação (ADL) forneceram às agências governamentais acesso aos seus arquivos de supostos subversivos judeus e teve parte ativa na “Caça às Bruxas” Mcarthista. Antes de ser decana em estudos do Holocausto, Lucy Dawidowicz manteve listas de judeus comunistas para a AJC. Dos Rosenberg, ela escreveu no New Leader que ninguém não poderia apoiar a sentença de morte de Hermann Göring e não apoiar o mesmo para os espiões judeus. A AJC manteve-se indiferente em relação à campanha para dar clemência aos Rosenberg. Ansiosos para impulsionar suas credenciais anti-comunistas, a maioria dos judeus que poderiam ser ouvidos fizeram vista grossa a antigos membros da SS que entraram no país.

Conduzindo uma pesquisa sobre o “judaísmo americano” em 1957, o sociólogo Nathan Glazer relatou que o Holocausto tinha pouca importância nas vidas dos judeus americanos. Até o final dos anos 1960, o Holocausto mal figurava na vida da América, ou dos judeus americanos. Como Peter Novick lembra, entre o final da Segunda Guerra Mundial e o final dos anos 1960, somente uns poucos livros e filmes tocaram no tema. Intelectuais judeus davam pouca atenção a ele. Nenhum memorial ou tributo marcava o evento. Pelo contrário, as maiores organizações judaicas se opunham a tal lembrança.

Temerosos de alienar os gentios ao enfatizar a importância da experiência judaica foi sempre um problema para os judeus americanos (assim como para os europeus), e durante a Segunda Guerra Mundial acabou inibindo os esforços para resgatar os judeus na Europa. “Através dos anos 1950 e entrando nos anos 1960,” relata Novick, O Comitê Judeu Americano, a Liga Anti-Difamação e outros grupos “trabalharam em uma variedade de frentes” para dispersar a imagem dos judeus como desleais. A prioridade destas organizações não era lembrar o Holocausto ou dar voz de apoio a Israel, mas apoiar os EUA na Guerra Fria.

O julgamento de Eichmann em 1961 despertou o interesse público no Holocausto, mas a verdadeira mudança de atitude veio com as consequências da Guerra dos Seis Dias em 1967. Apesar de “Israel não estar em perigo sério” em 1967, entre os judeus americanos “pensamentos de um novo Holocausto estavam certamente presentes.” Além disso, “A vitória milagrosa de Israel também facilitou a integração do Holocausto na consciência religiosa judaica,” e “ofereceu uma teologia popular do ‘Holocausto e Redenção’.” Ao término da Guerra do Yom Kippur em 1973, a “discussão sobre o Holocausto... tornou-se gradativamente institucionalizada”; como o escrutínio e a crítica da presença e ações de Israel nos territórios ocupados cresceu, “a narrativa do Holocausto permitiu colocar como irrelevante qualquer crítica a Israel.”

Nos anos 1970 e 1980, o Holocausto tornou-se uma coisa distinta, chocante e massiva: claramente demarcada, qualitativa e quantitativamente, de outras atrocidades nazistas e de outras perseguições anteriores contra os judeus. Este modo de ver é hoje lembrado como apropriado e natural, a “resposta humana normal.” Mas esta não foi a resposta da maioria dos americanos, mesmo dos judeus americanos, enquanto o Holocausto estava sendo conduzido. Não somente o Holocausto tinha a centralidade na consciência que ela teve a partir dos anos 1970, mas para a esmagadora maioria dos americanos – e, novamente, isto incluía uma boa parte dos judeus também – ele mal existia como um evento singular próprio. As ações criminosas do regime nazista, que mataram entre cinco e seis milhões de judeus europeus, foram bem reais. Mas “o Holocausto” como o conhecemos hoje em dia, foi grandemente uma construção retrospectiva, algo que não teria sido reconhecido pela maioria das pessoas na época. Para falar do “Holocausto” como uma entidade distinta, que os americanos responderam (ou falharam em responder) de vários modos, é para introduzir um anacronismo que permanece no modo de compreensão das respostas contemporâneas.

O Holocausto tornou-se, indubitavelmente, uma fixação na cultura americana. O que veio a se tornar a “americanização do Holocausto” é o objeto de estudo de vários livros recentes, uma discussão intensa dentro da comunidade judaica americana e mesmo um curso em história americana na Universidade de Heidelberg. Entre as muitas tentativas de documentar e explicar como o Holocausto foi americanizado, talvez o mais ambicioso e provocativo seja justamente O Holocausto na Vida Americana, de Peter Novick.

A narrativa apresentada pelo livro de Novick é aquela de uma trajetória ascendente da consciência do Holocausto desde o final dos anos 1960. Novick preocupa-se que a atual preocupação americana com o Holocausto seja permanente. Sua posição sobre a institucionalização contínua da memória do Holocausto na forma de museus e cadeiras nas Universidades é bem formulada. Mas sua conclusão que esta trajetória continuará no futuro é especulativa, e possivelmente improvável. Os anos 1990 viram a convergência de muitos fatores que trouxeram o Holocausto para a vanguarda da consciência americana, por exemplo, filmes de Hollywood como A Lista de Schindler, e a abertura do museu de Washington, o último estando intimamente ligado ao fim do ciclo de vida de uma grande parcela de sobreviventes do Holocausto. Os excessos da mídia também aumentaram a atenção dada ao Holocausto por estes desenvolvimentos cronologicamente específicos. Enquanto não resta nenhuma dúvida que o Holocausto foi absorvido definitivamente pela cultura americana, Novick falha entretanto em reconhecer que essa atenção obsessiva no assunto, que ele de forma eficiente descreve e documenta, pode ser um fenômeno transitório. Somente o tempo dirá.

Fontes de consulta:

http://www.nytimes.com/books/first/n/novick-holocaust.html

http://digitalcommons.unl.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1087&context=historyfacpub

http://www.lrb.co.uk/v22/n01/norman-finkelstein/how-the-arab-israeli-war-of-1967-gave-birth-to-a-memorial-industry

http://www.vho.org/tr/2000/1/tr01novick.html

http://www.vcn.bc.ca/outlook/library/articles/antiSemitism/p05HolocaustAmericanLife.htm

http://www.fpp.co.uk/Auschwitz/Novick/Michiko.html

Nenhum comentário: