sexta-feira, 10 de agosto de 2012

[SGM] Paris, 1942: La vie en rose

The Independent, 09 de abril de 2008


Uma nova exibição de imagens coloridas descrevendo o dia-a-dia na capital francesa sob a ocupação nazista foi atacada como camuflagem histórica.

É um lindo dia ensolarado no Place de la Concorde em Paris. A cúpula de ouro do Les Invalides cintila à distância. Uma mulher bem vestida, usando um chapéu de palha espera para atravessar a rua.

A imagem poderia ter sido tirada ontem, exceto por dois ou três detalhes. A moda e a ausência de carros. E, oh sim, há um membro das hordas de ocupação nazista à paisana, que também, pacientemente, espera sua vez para atravessar a rua.

Este é, de fato, o verão de 1942, próximo do metade da ocupação nazista da capital francesa. São quase 270 fotografias - parte de uma coleção única de imagens coloridas deste tipo - tiradas em Paris durante a guerra por um fotógrafo colaboracionista francês. As imagens, a maior parte nunca vista antes em público, estão à mostra na Biblioteca histórica da Prefeitura de Paris até 1º. de julho.

As fotografias mostram, a maior parte, uma cidade incrivelmente familiar, calma, chique, feliz e amante da moda. A exibição acabou gerando descontentamento e preocupação em Paris, precisamente porque ela mostra os parisienses sendo parisienses, e levando a vida normalmente, sob o jugo nazista. Eles se sentam à mesas em cafeterias ensolaradas no Champs Elysées. Eles usam auto-confiantes óculos escuros da moda com armações brancas. Eles pescam no rio Sena. Eles vão às compras.

A Prefeitura deu um passo incomum esta semana ao editar um alerta histórico em cada bilhete de entrada para a exposição. O panfleto esclarece que o fotógrafo, André Zucca, trabalhava durante a guerra para a revista pró-nazista Signal. O panfleto diz que este trabalho "escolhe mostrar nada, ou pouco, da realidade da Ocupação e de suas terríveis conseqüências."

Há duas imagens de judeus ostentando estrelas amarelas que uma lei francesa determinou que eles as usassem em público. Há uma fotografia misteriosa da linda curva de colunata da Rue de Rivoli, parecendo como hoje, exceto pelas orgulhosas bandeiras nazistas tremulantes ao vento.

Mas, no conjunto, a exibição torna Paris sob a ocupação nazista um lugar suficientemente agradável para viver. Há poucos carros. Posters de propaganda nazista, suásticas e oficiais exibidos em uniformes alemães ocasionalmente intrometendo-se. De outra forma, as pessoas aprecem conversando alegremente nas cafeterias; crianças em patins e animais domésticos aparecem; amantes apreciam o Sena.

O assistente do prefeito de Paris para assuntos culturais, Christopher Girard, disse ontem que ele achou a exibição "embaraçosa, ambígua... e pessimamente explicada", e isto porque foi a prefeitura que imprimiu os panfletos no último momento, explicando que as fotografias de Zucca - apesar de serem um importante registro histórico - dão uma imagem deliberadamente distorcida de Paris sob a ocupação nazista.

A exibição foi mal conduzida? É tão chocante assim a maior parte dos parisiense, com relativamente poucos judeus e poucos membros ativos da Resistência, simplesmente sendo parisienses entre junho de 1940 e agosto de 1944? A noção de que a capital francesa sofreu terrivelmente sob o jugo nazista foi primeiro alardeada pelo General Charles de Gaulle em 25 de agosto de 1944, o dia que a cidade foi libertada pelos tanques americanos e franceses. Em um discurso improvisado em frente à prefeitura, com atiradores alemães e colaboracionistas ainda em atividade nos telhados, ele homenageou "Paris outragée! Paris brisée! Paris martyrisée!" (Paris violentada! Paris saqueada! Paris torturada!) Na verdade, como o historiador Jean-Pierre Azéema esclarece no livro que acompanha a exibição, Paris foi deliberadamente bem tratada com luvas de pelica pela máquina de propaganda nazista.

Em 1940, Adolf Hitler pretendeu colocar no chão a cidade, mas mudou de ideia. Seu chefe de propaganda, Joseph Goebbels, ordenou ainda em julho daquele ano que a capital francesa conquistada deveria ser encorajada a ser "animada e alegre", de modo que a vida sob os nazistas pareceria atraente para os americanos e outros povos neutros.

O filósofo Jean-Paul Sartre, em um ensaio em 1945, comentou com seus companheiros parisienses que já estavam retratando a ocupação nazista como uma miséria prolongada. "Vamos deixar de lado estas imagens simplistas," ele escreveu. "Não, é claro, os alemães não estavam vigiando as ruas a todo instante com armas em mãos..." O maior problema para a maioria dos parisienses durante a guerra, Sartre disse, foi a sensação de "má consciência" que eles não estavam fazendo nada para resistir aos invasores.

Há também um relato no livro de exibição, escrito por seu curador, do cineasta Jean Baronnet. lembrando suas próprias experiências como menino na Paris da guerra, Baronnet lembra ter visto o líder dos colaboracionistas, o regime de Vichy, Marechal Philippe Petáin, se deslocando por Paris em um Renault conversível. "Eu percebi o quão rosa era sua face e quão branco era seu bigode. Nas janelas e nas ruas, as pessoas aplaudiam e gritavam "Vive le Maréchal".

Isto aconteceu em maio de 1944, um mês antes do Dia D, e três meses antes de Paris ser libertada em cenas de imensa alegria. Tudo muito francês ou tudo muito parisiense? Não, tudo muito humano. O General de Gaulle fomentou o mito após a guerra de que todos os franceses eram ou colaboracionistas ou opositores. Na verdade, 90 por cento não era uma coisa e nem outra.

Zucca foi capaz de usar o filme colorido alemão Agfa, e tirar fotos livremente nas ruas, porque ele era um colaboracionista. Ele não era necessariamente um simpatizante nazista. Ele é descrito por sua família como um liberal de direita. Ele havia sido fotógrafo internacional para a revista Paris Match antes da guerra.

Após a libertação, uma tentativa foi feita para processá-lo, mas as acusações foram retiradas. Ele caiu no anonimato vendendo câmeras fotográficas em sua loja nas províncias.

Seus negativos coloridos, apagados e riscados pelo passar dos anos, foram maravilhosamente restaurados e limpos para a exibição. Eles foram convertidos para a forma digital, com 5.000 por 3.300 pixels, usando uma técnica desenvolvida (por ironia do destino) por uma empresa alemã. As cores foram ressaltadas e ajustadas para o que acredita-se ser próximo dos seus valores originais. Zucca parece ter tirado as fotografias por seu próprio interesse e divertimento. Elas não foram solicitadas, ou plicadas, por seus empregadores nazistas.

O panfleto publicado pela prefeitura sugere que Zucca, como colaborador, deliberadamente ignorou o lado duro da vida em Paris durante a guerra. Entretanto, é mais provável que ele tenha apenas fotografado o que realmente viu.

Os mitos franceses, e a "má consciência", em relação à guerra ainda resiste. Por isso, a polêmica em torno de uma exibição que sugere que parisienses comuns levavam uma vida relativamente banal sob o domínio nazista.

Assim, a exibição deveria ser saudada por retratar um despertar, mas importante, da verdade histórica. Há uma espécie de coragem mesmo nas fotografias banais e alegres da exibição. A determinação dos parisienses em serem eles próprios, continuar suas vidas era, por si só, uma forma de resistir ao nazismo.

http://www.independent.co.uk/news/world/europe/paris-1942-la-vie-en-rose-806331.html

Fotos selecionadas da Exposição





 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 

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