domingo, 14 de julho de 2013

O Mito de Guernica

James S. Corum

Este texto faz parte do livro “Inflated by Air: Common Perceptions of Civilian Casualties from Bombing.


Em 26 de abril de 1937, talvez a incursão de bombardeio convencional mais famosa de todos os tempos foi conduzida durante a Guerra Civil Espanhola. Naquele dia, Guernica, uma cidade basca, e centro cultural, foi arrasada pela Luftwaffe (a força aérea alemã), que estava servindo sob o comando do governo nacionalista espanhol. O bombardeio de Guernica foi rapidamente transformado em um evento de proporções místicas e a versão dos eventos aceita pelo público e lideranças da Europa e América pareciam provar as piores predições das baixas civis que resultariam de um bombardeio aéreo. Guernica foi caracterizada como “bombardeio de terror” de civis inocentes conduzido com o intuito de castigar os não-combatentes e aterrorizar os sobreviventes até a submissão. O governo basco transformou o bombardeio de Guernica em uma grande propaganda e afirmou que 1.654 civis morreram e 889 ficaram feridos no ataque. As estatísticas de baixas e a interpretação padrão da incursão como um prelúdio para o bombardeio de terror de civis na Segunda Guerra Mundial continuou até hoje na literatura popular e histórica com poucas mudanças.

Os fatos sobre o bombardeio de Guernica guardam pouca semelhança com o mito. Guernica era uma pequena cidade de 5.000 a 7.000 pessoas que em abril de 1937 estava localizada próxima das frentes de combate. A Legião Condor alemã escolheu-a como alvo por razões puramente táticas. Guernica tinha uma ponte e uma importante interseção de estradas que eram vitais para a retirada da maioria dos 23 batalhões do exército basco, localizado a leste de Guernica, e no processo de evacuação para as linhas fortificadas próximas a Bilbao. A interseção de estradas, dois batalhões do exército basco estacionados na cidade, e a preocupação dos nacionalistas que os bascos pudessem fortificar a cidade tornaram legítima sua seleção como alvo para ataque aéreo.

Os alemães atacaram a cidade com 43 bombardeiros e caças e despejaram entre 40 e 50 toneladas de bombas de alto explosivo e incendiárias, que destruíram metade da cidade e infligiram grandes baixas. A incursão foi absolutamente típica da Guerra Civil Espanhola. Devido à baixa precisão dos bombardeios contra alvos pontuais, as tripulações consideravam as vilas como sendo melhores alvos. O raciocínio foi revelado em um relatório da Legião Condor de 1938: “Temos tido resultados notáveis em atingir alvos próximos do front, especialmente no bombardeio de vilas que mantém reservas e o quartel-general do inimigo. Temos tido grande sucesso porque estes alvos são fáceis de encontrar e podem ser destruídos totalmente pelo bombardeio geral.” A liderança nacionalista estava totalmente ansiosa sobre o bombardeio de pequenas cidades próximas das linhas de combate. Mesmo as histórias oficiais da Guerra Civil espanhola contém fotografias e relatos do bombardeio de pequenas cidades ocupadas por legalistas pela Força Aérea Nacionalista.

Correspondentes estrangeiros escrevendo para o Times de Londres e o New York Times em conjunto com os membros do governo basco, entretanto rapidamente classificaram o bombardeio de Guernica como “ataque terrorista”. Um correspondente escreveu: “O objetivo do bombardeio parece ter sido a desmoralização da população civil e a destruição do legado da raça basca.” A estória tornou-se gradativamente mais embelezada. Os jornais de Nova York e Londres escreveram extensivamente sobre o ataque. O New York Post publicou uma charge sobre Guernica mostrando pilhas de corpos de civis mortos na “Cidade Santa de Guernica” com Hitler pairando sobre a cidade arrasada com uma espada coberta de sangue que foi nomeada como “incursões aéreas”. O Registro Congressista americano mesmo indicou o uso de gás venenoso em Guernica – um evento que jamais ocorreu. No Parlamento britânico, discursos foram feitos denunciando o ataque e imprecisamente descrevendo Guernica como “cidade aberta” que não continha nenhum alvo militar. O relato do governo basco de 1.654 mortos e 889 feridos foi aceito sem críticas pela imprensa mundial. De fato, a impressão foi dada que Guernica era uma metrópole ao invés de uma pequena cidade e que a Luftwaffe de 1937 já possuía a capacidade de apagar cidades inteiras do mapa – algo que estava muito além da capacidade da força aérea alemã na época. Acima de tudo, a imprensa já estava condicionada a esperar a destruição de cidades inteiras pelo ar e a seleção de alvos civis seria a primeira consequência das guerras vindouras. Parecia que o futuro havia chegado.

Em Guernica, todos os principais componentes deste estudo chegaram em foco prematuro, porém nítido. Os governos republicanos espanhol e basco tinham todos os motivos para exagerar nas baixas civis em Guernica para efeitos propagandísticos. De fato, a versão do ataque que foi disseminada teve grande efeito na causa republicana. Simultaneamente, a imprensa, o público e a liderança política foram condicionados a aceitar números exagerados para as baixas civis. Mesmo assim, outro elemento é a persistência da estória original. Poucos historiadores tem se interessado em examinar criticamente os eventos de Guernica, e décadas mais tarde, o número original de 1.654 mortos é ainda citado em textos históricos.

Portanto, o número oficial de baixas em Guernica merece uma análise mais detalhada. Se os números oficiais estão corretos, então o bombardeio da Legião Condor de Guernica resultou em 41 fatalidades por tonelada de bomba (1654 mortos para 40 toneladas de bomba aproximadamente). Este é um número extraordinário quando comparamos Guernica com os ataques aéreos mais devastadores da Segunda Guerra Mundial. Na incursão de Hamburgo de julho de 1943, a RAF despejou 4.644 toneladas de bombas produzindo cerca de 7,5 fatalidades por tonelada de bombas. No bombardeio anglo-americano de Dresden em fevereiro de 1945, as forças aéreas aliadas despejaram 3.431 toneladas de bombas produzindo entre 7,2 a 10,2 fatalidades por tonelada. Em contraste com as incursões de bombardeiros contra cidades na Segunda Guerra Mundial, o número de baixas de Guernica parece simplesmente inacreditável. Hoje, é impossível obter um número exato para as baixas de Guernica já que os nacionalistas espanhóis afirmam que a cidade nunca foi atacada por ar e os republicanos dinamitaram a cidade para uso propagandístico. O número chutado foi mantido oficialmente durante a ditadura de quarenta anos de Francisco Franco e, presumivelmente, a polícia secreta de Franco eliminou qualquer evidência sólida (atestados de óbito, registros de hospitais e igrejas, etc.) do bombardeio conduzido sob ordens nacionalistas. Entretanto, mesmo uma estimativa realista considerando uma alta taxa de eficiência (7 a 12 fatalidades por tonelada de bomba) conduziria a um número de fatalidades entre 300 e 400 em Guernica. Certamente, trata-se de um evento sanguinário, mas relatar que uma pequena cidade teve algumas centenas de mortos não tem o mesmo efeito que dizer que uma metrópole bombardeada teve quase 1.700 mortos.

Os relatórios do bombardeio de Guernica tiveram o efeito de confirmar as previsões dos teóricos do poder aéreo em relação às baixas civis. No gabinete francês durante as sessões de estratégia de 1938, estimativas extravagantes foram feitas a respeito da capacidade alemã em infligir baixas na população francesa por bombardeio. O general francês da força aérea, Dentz, previu na época da crise dos Sudetos em 1938 que as cidades francesas tornar-se-iam ruínas. Um membro do gabinete francês disse a respeito do possível bombardeio aéreo alemão das cidades francesas que “nossas cidades serão varridas, nossas mulheres e crianças serão massacradas.” Durante a Crise de Munique em 1938, cerca de um terço da população parisiense abandonou a cidade para evitar o bombardeio alemão.

Na Grã-Bretanha, durante os anos anteriores à Segunda Guerra Mundial, as atitudes e estatísticas dos efeitos do bombardeio aéreo foram praticamente os mesmos. O cientista britânico Lorde J.B.S. Haldane escreveu um livro sobre defesa contra incursões aéreas em 1938 que postulava uma fórmula de 20 fatalidades para cada tonelada de bomba despejada sobre Londres. Ele previu que uma força de bombardeiros alemães de 270 aviões poderia despejar 400 toneladas de bombas e provavelmente matar 8.000 pessoas e ferir mais de 15.000. Ele esclareceu que isso poderia ser feito diversas vezes por dia e que o “golpe explosivo” poderia matar entre 50.000 e 100.000 londrinos. O staff da RAF disse ao governo nos anos 1930 esperar cerca de 20.000 baixas por dia se os alemães atacassem. No início da guerra, o governo esperava fornecer 750.000 leitos para os hospitais para receber o número esperado de vítimas. De fato, mesmo nos dias mais sombrios da Blitz, não mais que 6.000 leitos foram necessários. Como Harold McMillam  mais tarde lembrou sobre as percepções daquela época, “Pensávamos na guerra aérea em 1938 como as pessoas pensam hoje da guerra nuclear.”

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