sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

[POL] Raízes Místicas do Nazismo

Fernando G. Sampaio

 
A Alemanha está inserida no contexto de uma reação contra o racionalismo, que marcou o final do século XIX, pelo menos, em sua metade e que tem o nome de Movimento Romântico.

O Romantismo se expressou de variadas formas em toda a Europa, mas alcançou uma posição notável dentro da cultura germânica, por uma série de razões históricas bem conhecidas, em que se destaca o impacto produzido sobre o nacionalismo alemão durante o ciclo das Guerras Napoleônicas.

Este movimento antiracionalista surgido logo após a tormenta revolucionária e napoleônica, devemos considerá-lo como a expressão de uma inquietude... aparece como pessimista, aristocrático, impregnado de religiosidade e nostalgia tradicionalista.

Observamos, que já temos um quadro geral da questão das raízes místicas do nazismo:

1º - o descontrole nervoso do corpo político-social alemão vai se dar pela derrota na 1º Guerra Mundial, pela destruição do Império e abdicação da figura do Imperador, considerada uma enorme perda psicológica e oral e pela posterior crise econômica geral que grassou por todo o mundo, o crack de 30 e que foi fortemente sentido na Alemanha;

2º - este descontrole geral, com causas econômicas, sociais, políticas e militares, foi precedida por uma forte crise de identidade cultural que fez aflorar de forma notável um sentimento romântico que era místico, mágico e antiracionalista;

3º - esta atmosfera de derrota mais irracionalismo vai preparar o ambiente cultural em que vão se formar as mentalidades culturais da liderança do Partido Nazista, em especial de Hitler e de seu grupo de apoio pessoal.

Portanto, o nazismo não é um fenômeno, conforme avaliamos, exclusivamente do século XX ou resultado direto de uma derrota militar. O nazismo foi o coroamento de um processo de formação de mentalidades e de cultura que acompanhou, lateralmente, a formação cultural da Alemanha, desde o final do século XVIII.

Além do conhecido pré-romantismo e do romantismo, que existiu em toda a Europa, mas teve o seu apogeu na Alemanha, podemos observar o desenvolvimento, ao longo destes períodos históricos, na Europa e na Alemanha, dos seguintes fatores:

1. Surgimento do Orientalismo (e do misticismo);

2. Surgimento do folclore;

3. Surgimento da arqueologia e da pré-história;

4. Impacto da Teoria da Evolução (evolucionismo social ou social-darwinismo)

Orientalismo

O orientalismo é um sistema, adotado no século XIX, e hoje abandonado, que atribuía as origens da civilização europeia, suas artes, filosofia e ciências, às antigas culturas do Oriente, em particular, O Egito, a Pérsia e a Índia. O orientalismo teve grande influência nas artes e na literatura e era uma verdadeira mixórdia de estudos variados com a busca pela sabedoria ou os chamados segredos das ciências ocultas das antigas civilizações.

Folclore

Os irmãos Jacob e Wilhe Grimm são considerados os fundadores do Folclore científico, em especial as coletâneas de contos, canções e lendas germânicas, enfeixadas em “A Mitologia Alemã” (1835). Mas, já por 1812-1815 tinham lançados pequenos trabalhos sobre as lendas e sobre as Runas Alemãs e, aos poucos, vão criando o arcabouço sobre a qual vai ser erigida a veneração pelo passado heróico post-Império Romano dos guerreiros alemães e, também, pelo heróico Império, o Sacrum Romanum Imperium Nationis Germanicae – 962-1806. É a recuperação folclórica que trouxe à tona o famoso poema épico alemão “Der Nibelung Not (a desgraça dos Nibelungen), mais conhecido, porém, como Niebelungenlied (canção dos Niebelungen), datado de 1250 a 1260, onde é exaltado o paganismo germano, a figura do herói, meio homem, meio deus, que não foge, jamais ao destino a que estão submetidos homens e deuses. De enorme forma trágica, com violência e vingança mas também com amor apaixonado e cortesão, é considerado mito nacional germânico. A versão de Wagner, que serviu para sua monumental tetralogia operística é baseado, porém, numa versão nórdica (das Eddas), com adaptações próprias e não segue este manuscrito do folclore medieval.

Arqueologia

A Arqueologia alemã, como não podia deixar de ser, contribuiu poderosamente para uma mitologia toda especial que influenciou as mentalidades da época. Gustav Kossima (1858 – 1931), arqueólogo e pré-historiador, deliberadamente dispôs-se a provar a importância e a grandeza dos germanos através da pré-história. Expandiu a cronologia de maneira que tudo parecesse ter começado na Alemanha e se espalhado dos Germanos Superiores para os inferiores ao redor... Kossima queixava-se que a Arqueologia alemã se estava concentrando nas terras clássicas e se preparava, portanto, implícita ou explicitamente, para descrever os antigos germanos como bárbaros. Insistia que era errado só Ter grandes coleções para Egito Grécia, etc. e afirmava que: “uma nação que não mantém contato com seu passado está pronta a secar como uma árvore com as raízes amputadas.”

Evolucionismo

Não podemos esquecer que a obra básica de Darwin surge em 1859 e causa profunda impressão em todo o mundo culto. Mas vai dar origem, também ao social-darwinismo, isto é a uma doutrina da sobrevivência dos mais aptos, que seriam os mais fortes, isto é, aqueles que faziam a guerra melhor e ganhavam nos conflitos bélicos, por serem superiores e, com isto, subjulgavam os perdedores, que seriam seres fracos e inferiores.

A sobrevivência dos mais aptos não tem nada a ver com isto e os mais aptos podem até ser (como parece) os mais hábeis em se esconderem e não serem, assim, caçados pelos mais fortes. Esta, pelo menos, é a visão mais correta, atualmente, sobre a proliferação dos hominídeos...

A publicação, na Alemanha, por Nietzche, em 1866, de “Além do Bem e do Mal” ia vulgarizar, porém, a visão de uma força impulsora da vontade humana como sendo “a vontade de Poder”, que instituía duas moralidades, a do senhor e a do escravo.

Todas estas ideias iriam convergir, de uma forma ou de outra, para a formação de uma ideia central, isto é, que existiam diferenças entre os povos e que estas diferenças tornavam uns povos dominadores e outros povos dominados, portanto, uns inferiores e outros superiores.

Estas noções são abstratas e, mesmo, mágicas e vão terminar por contaminar toda a maneira de pensar de mais de uma geração, levando, inclusive, ao nascimento de sociedades secretas e diferentes agrupamentos e grêmios, dedicados ao estudo do passado em geral e particularmente ao passado germânico, que terminam num obscurantismo místico, do qual, a elite do partido nazista fazia parte, no que, entretanto, não era diferente das elites em geral e das classes médias.

Como não existiam entretanto, nada mais do que especulações, os interessados na afirmação destas ideias são obrigados a criar, gradativamente, uma falsa ideologia, baseada em um passado também falsificado. E, para isto, começam a basear suas afirmativas em lendas, mitologias e, igualmente, em falso folclore, que começa a surgir dentro das sociedades ocultistas, em especial as chamadas sociedades teosóficas.

Hitler, mesmo, é quem afirma:

“A lenda não pode ser extraída do nada, não é uma construção do espírito puramente gratuita, Nada nos impede de supor, e creio mesmo que temos interesse em o fazer, que a mitologia constitui um reflexo de coisas que existiram e de que a humanidade conservou uma vaga recordação... O espírito humano mesclou estas imagens com noções elaboradas pela inteligência, e foi assim que as igrejas constituíram a armação ideológica que ainda hoje assegura a sua força”.

Thule, Atlântida, Catástrofes e Mundos Perdidos

Em Leipzig, em 1912, é fundada uma Germanen-Thule-Sekte, que antecipa a Germanen Orden de 1913 e a Thulegesellchaft de 1918 da qual deriva diretamente o Partido Nazista.

A sociedade Thule organiza um grupo de combate, da qual faz parte Rudolf Hess e tenta um contra-golpe, na Baviera, em 1919. Estas sociedades e, em especial, a Germanem-Ordem celebram, já então, a velha festa nórdica do solstício de inverno e é nela que se redige o programa original do partido social-alemão de Alfred Brunner, ao qual irá se filiar, depois, Adolf Hitler, que reorganiza o movimento.

Thule, uma terra de felicidade, para lá do norte, faz parte do ciclo lendário da Hyperbórea e data do tempo dos romanos, quando um explorador chamado Pítea, saiu de Marselha para explorar a rota de fornecimento de âmbar e outras especiarias, que chegavam até a Europa Central e Mediterrânea desde o distante norte.

Este “país ao norte” foi tomado como sendo uma espécie de centro mágico, onde sobreviveram restos da cultura e da sabedoria daquela civilização de fantasia, que teria sido destruída há dez mil anos atrás. E foi desta terra e da Hyperbórea, que vieram os ancestrais dos Arianos, marcahdno desde os planaltos do Himalaia, onde tinham se refugiado do Dilúvio.

Assim, os ancestrais dos arianos não seriam os povos extintos, mas teriam tido uma iniciação mágica junto aos povos extintos, aos últimos sábios, conhecidos com “Superiores Desconhecidos”, onde teriam aprendido a língua “superior”, formando a “mentalidade superior”, que tornou os ancestrais dos germanos, uma espécie de “raça eleita”, não só por receber a sabedoria dos antigos, como também por estar dotada, por está mesma sabedoria, do destino de dominar os povos inferiores e criar um império universal.

É curioso observar que algumas das sociedades místicas que existiam na Alemanha (mas não só de lá...), diziam que entre os ensinamentos legados pelo povo extinto na guerra ou catástrofe de dez mil anos atrás, estava o segredo do chamado Vrill, uma poderosa fonte energética, segundo alguns, de ordem mental, com o que se podia operar milagres.

Esta ideia de Vrill, entretanto, como muitas outras, é a mais pura fantasia.

Ela foi descrita como uma força, é verdade, de um povo antigo, é também verdade, mas por um famoso romancista, Sir Edward George Bulwer-Litton (1803-1873), que chegou a ocupar um cargo de Secretário das Colônias da Inglaterra e fazia parte da famosa sociedade secreta ocultista “As Aurora Dourada”, com ramos nos Estados Unidos, na Alemanha e na Grã-Bretanha.

Em seu romance “A Raça que se Seguirá” ( ou que vira, datado de 1871) ele apresenta uma raça que vive em um mundo subterrâneo, dotada de grandes qualidades morais e espirituais, que eram alimentados por uma estranha força-sustentadora de energia vital, chamada Vrill. O romance previa que esta “raça perdida”, viria a voltar para a superfície e teria a ascendência sobre todo o planeta... Bulwer-Litton é lembrado, até hoje, pelo seu clássico de 1834, “Os últimos dias de Pompéia” e, em sua época, foi um importante defensor do ocultismo, da mágica e das “forças ocultas”.

Profecias do Salvador

Nesta atmosfera, nada mais natural que surgissem, igualmente, profecias, que preparavam o terreno, de forma mágica, para a vinda do Salvador. Em 1922 o escritor Kurt Hesse publicou em sua novela “O Marechal Psicológico” que:

Assim, um dia virá em que se anunciará Aquele que todos nós aguardamos cheios de esperança: centenas de milhares de cérebros carregam sua imagem no seu âmago, milhões de vozes invocam-no incessantemente, toda a alma alemã o procura... De onde virá? Ninguém sabe. Talvez de um palácio de príncipes, talvez de uma cabana de operários. Mas, cada um sabe: é ele, o Führer. Cada um o aclamará; cada um lhe obedecerá. E por que? Porque um poder extraordinário emana de sua pessoa: é o diretor das almas. Daí porque o seu nome será: o Marechal Psicológico.

Observamos que Hitler ou outra figura que tivesse as características semelhantes, correspondia a um ideal mágico, a busca de um salvador, que – misticamente – reconduziria a Alemanha para uma epopeia de glórias, em que o Império Universal, sonho do antigo pangermanismo da casa dos Kaisers, se tornaria, finalmente, realidade.

O primeiro biógrafo de Hitler, Konrad Heiden, já escrevia em “Hitler: a vida de um bárbaro”:

O homem Adolf Hitler é comparável a um médium que faz desprender de si o fenômeno... O Fuhrer é um filho das massas. E que espécie de massa é essa! É a do povo alemão empobrecido, derrotado, inanido... Por esse motivo esse lutador que veio à tona, saindo da insignificância, é o predileto e modelo da massa em luta com sua desesperança.

De parte da elite agitadora, existe a ideia que é possível, pela guerra, fazer a Alemanha uma potência mundial, novamente. Para isto, todos concordam, é necessário um Salvador, um Líder, (o Fuhrer), que magicamente, tornará humilhação em triunfo e derrota em vitória. Não existisse esta raiz mística profunda, todo o fenômeno do nazismo não teria sido possível.

Conclusão

Diz o escritor François Perroux, escrevendo na época, para tentar compreender e divulgar na França as ideias do nazismo:

O nacional-socialismo ofereceu uma pseudo-religião, sem paraíso inacessível, que o povo alemão confusamente solicitava. Divinizou a própria raça germânica, isto é, a totalidade dos arianos nórdicos concebidos como depositários de toda a verdade, de toda a bondade e de toda a beleza. Em torno do dogma da raça, congregou as multidões por meio de ritos, procissões, juramentos, autos de fé, saudações, hinos e cânticos.

Pretendeu ensinar-lhes uma moral própria: a moral dos germanos, diferente do resto da humanidade. Afirmou não a comunhão dos santos, mas a comunhão dos Heróis, quer dizer, dos arianos nórdicos, isto é, dos homens de sangue alemão. Nesses homens incute o sentimento de serem o povo eleito, o sal da terra. Não é por acaso que o nazismo se choca violentamente com as Igrejas autênticas. Ele próprio é um Estado que se quer constituir uma Igreja... essa interpretação do nacional-socialismo como Ersatz de religião mostra claramente como a Alemanha se move num mundo de pensamentos totalmente diverso daquele que sugere o contraste marxista: capitalismo versus anticapitalismo. Ela explica as exclusões e as interdições que a mística hitlerista tem lançado contra as doutrinas econômicas tradicionais.

E que doutrinas econômicas teria o nazismo? Comenta o mesmo autor:

Uma escola preconiza o regresso deliberado às formas de produção e de troca pré-capitalistas. Quando reinavam estás fórmulas, a comunidade nacional era mais unida, a nação demograficamente mais forte e mais independente. Uma Nova Idade Média, tal é, portanto, com todas as conseqüências que comporta, moderação das necessidades, disciplina de técnica, renovação dos costumes corporativistas, a senha que lançam alguns economistas, entre eles Werner Sombart. Aliás é a essa tendência a política de reorganização e proteção aos componeses, praticada pelo IIIº Reich e de que Walter Darré é o profeta, o criador, o ensaiador... Tersemarcher, diz, explicitamente que a restauração de forças econômicas herdadas de uma passado longínquo encontram seu fundamento natural na Terra e no Sangue... O camponês, que não é um tipo de humanidade surgido do capitalismo, deverá viver livre e feliz em seu campo. Feudalismo, mas aperfeiçoado e centralizado, onde nenhum dos senhores vassalos contesta os direitos do grande suserano, Hitler, o Führer... Há uma hostilidade fundamental à ideia de contrato, substituída por laço de fidelidade pessoal... O diretor da fábrica será assessorado por um círculo de “homens de confiança” e tribunais de honra estão encarregados de reprimir as infrações.

Oswald Dutch, no famoso trabalho da época, “Os doze Apóstolos de Hitler”, já lembrava:

O sangue alemão deve desembaraçar-se, o mais rápido possível de toda ideia de pecado. A noção de sangue e honra deve formar a alma alemã. A beleza grega reina sobre as formas do corpo, a beleza germânica determina a formação da alma. Uma significa o equilíbrio exterior, a outra a lei interior... Os casamentos dos membros do Partido Nacional-Socialista não foram mais celebrados na igreja, nem na pretoria, mas debaixo do carvalho de Wotan segundo os ritos pagãos. Quase toda a juventude e todas as formações militares do Partido adotaram, imediatamente, o paganismo de Rosenberg*, empreendendo, ao mesmo tempo, uma luta encarniçada contra o cristianismo. Esta luta anticristã está vinculada ao movimento antissemita, pois Rosenberg lembra que os católicos são de uma religião de origem judaica e adoram os mesmos deuses que os judeus.

O nazismo poderia ser entendido como algo mais do que um fundamentalismo ideológico religioso. Enquanto os fundamentalistas de hoje tentam travar o futuro, o nazismo ia além: com pitadas de um passado mítico, ele pretendia criar um Bravo Novo Mundo, com uma super-raça, baseado no mito do puro-sangue, parte da lenda do Santo Graal, que nada mais é do que uma mitologia do século XII, que, em última análise, trata de preservação do sangue perfeito, o sangue de um deus. Hitler e o nazismo, portanto, podem ser explicados e até entendidos, não só por causas econômicas, mas por uma filosofia que vinha determinando este caminho particular para aquele momento histórico de há muito e muito tempo.

Nota:

* Alfred Rosenberg (1893 – 1946), intelectual do Partido Nazista e autor de “O Mito do Século XX”

Um comentário:

Saturnino Estrada disse...

"Esta ideia de Vrill, entretanto, como muitas outras, é a mais pura fantasia."

Uma única linha pode comprometer todo um ensaio.